quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Mariologia social no Documento de Puebla


Por: Ir. Thiago Cristino, FMI
Estudante de Teologia  - ISB - Brasília



1.    Considerações iniciais:
Pela primeira vez a Igreja da América Latina na III CELAM (Puebla) expôs uma Mariologia ‘contextual’. O bloco mariológico está situado, sobretudo, nas seções 282-303, e forma um dos documentos regionais mais significativos do Magistério regional com respaldo positivo (receptio) da Igreja de Roma e outras Igrejas regionais, por isso faz autoridade em nível ‘Católica’.
Possui um princípio axial - método de confronto: Maria-Sociedade (foco social). Tal Magistério recente vem colaborar para enriquecer essa reflexão, haja vista que existem poucos documentos que enfocam especificamente o tema: a Marialis Cultus – MC – texto maior em termos de sociomariologia - de Paulo VI e cartas, encíclicas e homilias de João Paulo II.
Depois de 25 anos o Documento de Puebla (DP) ainda não foi superado. A sociomariologia em Puebla, como no Vaticano II é posta no quadro da eclesiologia, sob quatro eixos estruturantes: Maria e a cultura da Latino-americana, Maria e a Evangelização, Maria e a Mulher na América Latina e Maria e a libertação social do continente.
A concentração deste estudo será neste último tema, pois perpassa a ótica geral do trabalho. Além disso, objetiva-se destacar os elementos significativos dessa Mariologia social, ainda que estejam em estado germinativo, bem como articulá-los com os outros eixos.

2.    Maria: Mulher libertadora (DP, 297 e 333)

Este é o ponto mais pertinente: a imagem da Virgem é aqui derivada do Magnificat (cf. Lc 1,46-55), ‘espelho da alma de Maria’. Ponto culminante da espiritualidade dos anawim (os pobres de IAHWEH) e do profetismo da Primeira aliança. Assim o documento assume a linguagem soft de João Paulo II em detrimento da hard de Paulo VI com a MC: “Maria aparece precisamente como uma pessoa que intercede, e não, como na citação anterior, como mestra que instrui ou modelo que inspira” (BOFF, 2006, p. 101).

De Maria, que, em seu canto do Magníficat, proclama que a salvação de Deus tem muito mais a ver com a justiça para com os pobres, ‘parte também o compromisso autêntico com os outros homens, nossos irmãos, especialmente pelos mais pobres e necessitados e pela necessária transformação da sociedade” (DP, 1144)

Novidade:
- a proximidade de Maria com o tema da ‘transformação social’;
- a figura da Virgem se carrega de força propulsiva em ordem à ação política;
- ‘a poderosa intercessão de Maria permitirá superar as estruturas do pecado na vida pessoal e social’ (JPII).

3.    Maria: Mulher (pessoa) livre e ativa (DP, 293)

Tema fundamental, pois toca a liberdade da pessoa humana, premissa básica para qualquer trabalho social e condição de toda ação sociolibertadora. O texto retoma a crítica da MC, 37 em relação à imagem da Virgem ‘passiva’ e ‘alienada’, ao invés disso, o DP esboça uma imagem ‘ativa’ e ‘dinâmica’, enquanto ‘cooperadora ativa’ da Redenção. Desse modo, Maria torna-se, na linguagem de Puebla, ‘a grande protagonista da história’, entendida em dois planos.




PLANO SOBRENATURAL


História Salvífica


Salvação objetiva: através do Fiat (livre). O ‘SIM’ tornou possível a encarnação do Verbo e conseqüentemente a Redenção em Cristo.


Salvação subjetiva: através da sua intercessão materna, pois ‘Ela, gloriosa no céu, atua na terra’ (DP, 288)




PLANO NATURAL



História humana

é personagem central na carreira histórica do Messias, seu Filho;
é figura popularíssima seja porque seu exemplo impulsiona pessoas e coletividades a ‘fazer história’ ou aindaatravés de suas aparições.
é ‘intercessora poderosa’ que muda o curso da História e ‘supera as estruturas do pecado’ (com suas aparições desenvolvimento).

4.    Maria: Mulher pobre e forte (DP, 302 – retoma MC 37, §2)

O DP não foi mais longe neste tema tão importante para a tradição Cristã e relevante para a América Latina e seu contexto de pobreza inumana. Havia, sim, um documento de trabalho enfocando a identificação com os pobres e de suas lutas com a pessoa de Maria, mas não foi aceito. ‘Assim – dizia o documento – os fieis da América Latina se identificam com ela em seu sofrimento e pobreza e em suas lutas contra as injustiças - n. 567’ (BOFF, 2006, p.103).

5.    Maria: Mulher da Encarnação (DP, 299, 301 e 303)

Esta ideia, embora em estado germinal, é bastante fecunda em relação ao problema social, quando reza: “Deus se fez carne por meio de Maria, começou a fazer parte de um povo... Sem Maria desencarna-se o Evangelho, desfigura-se e transforma-se em ideologia, em racionalismo espiritualista” (BOFF, 2006, p.104).

6.    Maria: Figura constitutiva da identidade da AL

O DP ressalta que a devoção a Maria além de ‘elemento qualificador e intrínseco do culto cristão’ (DP, 56), pertence à ‘identidade própria’ dos povos da AL (DP, 283). Tanto o é, que um católico só deixará de sê-lo no dia em que deixar de ser mariano. Por isso mesmo os Bispos da AL dão a ela títuloshistoricamente verdadeiros e pastoralmente estimulantes. Não obstante, no rosto mestiço da Morenita, contemplamos o ‘rosto materno e misericordioso’ do Pai e de Cristo (DP, 282).
Assim, Maria está intimamente ligada não somente à história desses povos, mas também à sua cultura e construção política. (Pensa-se aqui nos diversos títulos, frutos das aparições).

7.    Sentido antropológico e social dos dogmas marianos (DP, 298, 330, 333-334).
 (O DP oferece uma reflexão mais ampla na parte V)

O DP oferece sugestões originais para uma releitura antropológica e social dos dogmas marianos da Imaculada Conceição e da Assunção ao céu.

ASPCETO ANTROPOLÓGICO
(DO HOMEM E DO MUNDO)
Dimensão Protológica
(arché / primeira)
Dimensão Escatológica
(telos / última)
Imaculada Conceição

‘Rosto do novo homem’ que habita os céus e contempla a face de Deus.
Nossa Senhora da Glória (Assunção)

‘Manifestação e sentido do corpo’ e até da ‘criação material’ que desse modo começa a ter parte no corpo ressuscitado de Cristo.
ASPCETO SOCIOLÓGICO
(significação sociológica implicada nessa Antropologia)

Tanto o ícone da Imaculada como o da Assunta evocam e inspiram o respeito pela DIGNIDADE da Pessoa Humana e despertam para uma iniciativa histórica.
“MATER DEI”
*Perspectiva eclesiológica*

Igreja: ‘família de Deus’ (DP, 238-249)
Maria: mãe de família (DP, 285, 291, 295)
VIRGINDADE
Ainda é vago. Mas o DP (294) olha para esta realidade como sendo ‘fecundidade’ e ‘serviço’.

8.    Maria: A Mulher por excelência (DP 299) – A questão de gênero (FEMININO) é original em Puebla.
Os bispos declaram: “Maria é mulher! Ela é, como tal, expressão máxima da dignidade das filhas de Eva, enquanto o Criador as elevou, na Mãe de Deus, a ‘dimensões inimagináveis’. Maria é uma garantia para a grandeza da mulher” (DP, 299).
Assim, Maria e seu Filho são imagens ideais da mulher e do homem respectivamente, levam a promover a igualdade fundamental de ambos os sexos e ao mesmo tempo sua ‘diversidade’ (DP, 334). Ela é modelo de feminilidade, enquanto mostra a forma específica[1] do ser mulher.

9.    Excurso: Maria, ‘mulher síntese’ segundo Puebla?

MARIOLOGIA

No Magistério Universal: Marialis cultus, 37; Libertatis conscientiae, 97-98 e a Redemptoris mater, 37
No Documento de Puebla



Maria é colocada como sendo capaz de integrar em si mesma os aspectos da libertação cristã: soteriológica e ética-social, escatológica e histórica.


- Omite a ideia de Maria como ‘modelo inacabado’ de cristão;
Entrevê um análogo papel sintetizador  da figura de Maria, operando em outros planos, como no da Cultura e da História em geral (encontro entre fé e história – evento guadalupano); ou no plano da Espiritualidade, segundo o qual Maria ensina a ‘conjugar’ contemplação adorante e ação evangelizadora (cf. DP, 294).

10.    Considerações finais

O Magistério pastoral, e seus diversos planos, oferece inegavelmente uma surpreendente riqueza de elementos em favor de uma Mariologia social, mesmo se são mais indicados do que desenvolvidos, por estarem ainda em estados germinais. Todavia, acresce e fomenta reflexões para que tais questões sejam sempre mais aprofundadas.

11.    Bibliografia básica

BOFF, Clodovis. Mariologia social: O significado da Virgem Maria para a sociedade. In.:___Mariologia social no Documento de Puebla. São Paulo: Paulus, 2006. pp. 99-109.

Mariologia social no Documento de Puebla


Por: Ir. Thiago Cristino, FMI
Estudante de Teologia  - ISB - Brasília



1.    Considerações iniciais:
Pela primeira vez a Igreja da América Latina na III CELAM (Puebla) expôs uma Mariologia ‘contextual’. O bloco mariológico está situado, sobretudo, nas seções 282-303, e forma um dos documentos regionais mais significativos do Magistério regional com respaldo positivo (receptio) da Igreja de Roma e outras Igrejas regionais, por isso faz autoridade em nível ‘Católica’.
Possui um princípio axial - método de confronto: Maria-Sociedade (foco social). Tal Magistério recente vem colaborar para enriquecer essa reflexão, haja vista que existem poucos documentos que enfocam especificamente o tema: a Marialis Cultus – MC – texto maior em termos de sociomariologia - de Paulo VI e cartas, encíclicas e homilias de João Paulo II.
Depois de 25 anos o Documento de Puebla (DP) ainda não foi superado. A sociomariologia em Puebla, como no Vaticano II é posta no quadro da eclesiologia, sob quatro eixos estruturantes: Maria e a cultura da Latino-americana, Maria e a Evangelização, Maria e a Mulher na América Latina e Maria e a libertação social do continente.
A concentração deste estudo será neste último tema, pois perpassa a ótica geral do trabalho. Além disso, objetiva-se destacar os elementos significativos dessa Mariologia social, ainda que estejam em estado germinativo, bem como articulá-los com os outros eixos.

2.    Maria: Mulher libertadora (DP, 297 e 333)

Este é o ponto mais pertinente: a imagem da Virgem é aqui derivada do Magnificat (cf. Lc 1,46-55), ‘espelho da alma de Maria’. Ponto culminante da espiritualidade dos anawim (os pobres de IAHWEH) e do profetismo da Primeira aliança. Assim o documento assume a linguagem soft de João Paulo II em detrimento da hard de Paulo VI com a MC: “Maria aparece precisamente como uma pessoa que intercede, e não, como na citação anterior, como mestra que instrui ou modelo que inspira” (BOFF, 2006, p. 101).

De Maria, que, em seu canto do Magníficat, proclama que a salvação de Deus tem muito mais a ver com a justiça para com os pobres, ‘parte também o compromisso autêntico com os outros homens, nossos irmãos, especialmente pelos mais pobres e necessitados e pela necessária transformação da sociedade” (DP, 1144)

Novidade:
- a proximidade de Maria com o tema da ‘transformação social’;
- a figura da Virgem se carrega de força propulsiva em ordem à ação política;
- ‘a poderosa intercessão de Maria permitirá superar as estruturas do pecado na vida pessoal e social’ (JPII).

3.    Maria: Mulher (pessoa) livre e ativa (DP, 293)

Tema fundamental, pois toca a liberdade da pessoa humana, premissa básica para qualquer trabalho social e condição de toda ação sociolibertadora. O texto retoma a crítica da MC, 37 em relação à imagem da Virgem ‘passiva’ e ‘alienada’, ao invés disso, o DP esboça uma imagem ‘ativa’ e ‘dinâmica’, enquanto ‘cooperadora ativa’ da Redenção. Desse modo, Maria torna-se, na linguagem de Puebla, ‘a grande protagonista da história’, entendida em dois planos.




PLANO SOBRENATURAL


História Salvífica


Salvação objetiva: através do Fiat (livre). O ‘SIM’ tornou possível a encarnação do Verbo e conseqüentemente a Redenção em Cristo.


Salvação subjetiva: através da sua intercessão materna, pois ‘Ela, gloriosa no céu, atua na terra’ (DP, 288)




PLANO NATURAL



História humana

é personagem central na carreira histórica do Messias, seu Filho;
é figura popularíssima seja porque seu exemplo impulsiona pessoas e coletividades a ‘fazer história’ ou aindaatravés de suas aparições.
é ‘intercessora poderosa’ que muda o curso da História e ‘supera as estruturas do pecado’ (com suas aparições desenvolvimento).

4.    Maria: Mulher pobre e forte (DP, 302 – retoma MC 37, §2)

O DP não foi mais longe neste tema tão importante para a tradição Cristã e relevante para a América Latina e seu contexto de pobreza inumana. Havia, sim, um documento de trabalho enfocando a identificação com os pobres e de suas lutas com a pessoa de Maria, mas não foi aceito. ‘Assim – dizia o documento – os fieis da América Latina se identificam com ela em seu sofrimento e pobreza e em suas lutas contra as injustiças - n. 567’ (BOFF, 2006, p.103).

5.    Maria: Mulher da Encarnação (DP, 299, 301 e 303)

Esta ideia, embora em estado germinal, é bastante fecunda em relação ao problema social, quando reza: “Deus se fez carne por meio de Maria, começou a fazer parte de um povo... Sem Maria desencarna-se o Evangelho, desfigura-se e transforma-se em ideologia, em racionalismo espiritualista” (BOFF, 2006, p.104).

6.    Maria: Figura constitutiva da identidade da AL

O DP ressalta que a devoção a Maria além de ‘elemento qualificador e intrínseco do culto cristão’ (DP, 56), pertence à ‘identidade própria’ dos povos da AL (DP, 283). Tanto o é, que um católico só deixará de sê-lo no dia em que deixar de ser mariano. Por isso mesmo os Bispos da AL dão a ela títuloshistoricamente verdadeiros e pastoralmente estimulantes. Não obstante, no rosto mestiço da Morenita, contemplamos o ‘rosto materno e misericordioso’ do Pai e de Cristo (DP, 282).
Assim, Maria está intimamente ligada não somente à história desses povos, mas também à sua cultura e construção política. (Pensa-se aqui nos diversos títulos, frutos das aparições).

7.    Sentido antropológico e social dos dogmas marianos (DP, 298, 330, 333-334).
 (O DP oferece uma reflexão mais ampla na parte V)

O DP oferece sugestões originais para uma releitura antropológica e social dos dogmas marianos da Imaculada Conceição e da Assunção ao céu.

ASPCETO ANTROPOLÓGICO
(DO HOMEM E DO MUNDO)
Dimensão Protológica
(arché / primeira)
Dimensão Escatológica
(telos / última)
Imaculada Conceição

‘Rosto do novo homem’ que habita os céus e contempla a face de Deus.
Nossa Senhora da Glória (Assunção)

‘Manifestação e sentido do corpo’ e até da ‘criação material’ que desse modo começa a ter parte no corpo ressuscitado de Cristo.
ASPCETO SOCIOLÓGICO
(significação sociológica implicada nessa Antropologia)

Tanto o ícone da Imaculada como o da Assunta evocam e inspiram o respeito pela DIGNIDADE da Pessoa Humana e despertam para uma iniciativa histórica.
“MATER DEI”
*Perspectiva eclesiológica*

Igreja: ‘família de Deus’ (DP, 238-249)
Maria: mãe de família (DP, 285, 291, 295)
VIRGINDADE
Ainda é vago. Mas o DP (294) olha para esta realidade como sendo ‘fecundidade’ e ‘serviço’.

8.    Maria: A Mulher por excelência (DP 299) – A questão de gênero (FEMININO) é original em Puebla.
Os bispos declaram: “Maria é mulher! Ela é, como tal, expressão máxima da dignidade das filhas de Eva, enquanto o Criador as elevou, na Mãe de Deus, a ‘dimensões inimagináveis’. Maria é uma garantia para a grandeza da mulher” (DP, 299).
Assim, Maria e seu Filho são imagens ideais da mulher e do homem respectivamente, levam a promover a igualdade fundamental de ambos os sexos e ao mesmo tempo sua ‘diversidade’ (DP, 334). Ela é modelo de feminilidade, enquanto mostra a forma específica[1] do ser mulher.

9.    Excurso: Maria, ‘mulher síntese’ segundo Puebla?

MARIOLOGIA

No Magistério Universal: Marialis cultus, 37; Libertatis conscientiae, 97-98 e a Redemptoris mater, 37
No Documento de Puebla



Maria é colocada como sendo capaz de integrar em si mesma os aspectos da libertação cristã: soteriológica e ética-social, escatológica e histórica.


- Omite a ideia de Maria como ‘modelo inacabado’ de cristão;
Entrevê um análogo papel sintetizador  da figura de Maria, operando em outros planos, como no da Cultura e da História em geral (encontro entre fé e história – evento guadalupano); ou no plano da Espiritualidade, segundo o qual Maria ensina a ‘conjugar’ contemplação adorante e ação evangelizadora (cf. DP, 294).

10.    Considerações finais

O Magistério pastoral, e seus diversos planos, oferece inegavelmente uma surpreendente riqueza de elementos em favor de uma Mariologia social, mesmo se são mais indicados do que desenvolvidos, por estarem ainda em estados germinais. Todavia, acresce e fomenta reflexões para que tais questões sejam sempre mais aprofundadas.

11.    Bibliografia básica

BOFF, Clodovis. Mariologia social: O significado da Virgem Maria para a sociedade. In.:___Mariologia social no Documento de Puebla. São Paulo: Paulus, 2006. pp. 99-109.

A VIRGEM MARIA
NA FORMAÇÃO INTELECTUAL E ESPIRITUAL

A INVESTIGAÇÃO MARIOLÓGICA
23. Dos dados expostos na primeira parte desta Carta resulta que a mariologia está viva e empenhada em questões importantes no campo da doutrina e da pastoral. Portanto é necessário que ela, juntamente com a atenção aos problemas pastorais que pouco a pouco vão surgindo, se preocupe antes de tudo com o rigor da investigação, conduzida com critérios científicos.
24. Também para a mariologia vale a palavra do Concílio: « A sagrada teologia apoia-se, como em seu fundamento perene, na Palavra de Deus escrita e na Tradição, e nela se consolida firmamente e sem cessar se rejuvenesce, investigando, à luz da fé, toda a verdade contida no mistério de Cristo ».[55] O estudo da sagrada Escritura deve ser portando como que a alma da mariologia.[56]
25. Além disso é imprescendível para a investigação mariológica o estudo da Tradição pois que, como ensina o Vaticano II, « a sagrada Tradição e a sagrada Escritura constituem um único sagrado depósito da Palavra de Deus confiado à Igreja ».[57] O estudo da Tradição revela-se além disso particularmente fecundo pela quantidade e qualidade do património mariano dos Padres da Igreja e das diversas liturgias.
26. A investigação da Escritura e da Tradição, realizada segundo as metodologias mais fecunda e os mais válidos instrumentos da crítica, deve ser guiada pelo Magistério, porque a ele é que foi confiada a guarda e interpretação autêntica do depósito da Palavra de Deus; [58] e deverá ser, na ocasião, confortada e integrada pelas aquisições mais seguras da antropologia e das ciências humanas.
O ENSINO DA MARIOLOGIA
27. Considerada a importância da figura da Virgem na história da salvação e na vida do povo de Deus, e depois das indicações do Vaticano II e dos Sumos Pontífices, seria impensável que hoje o ensino da mariologia ficasse esquecido: é necessário portanto conceder-lhe o devido lugar nos seminários e nas faculdades teológicas.
28. Tal ensino, constituindo um "tratado sistemático" será:
a) orgânico, isto é, inserido adequadamente no plano de estudos do currículo teológico;
b) completo, de maneira que a pessoa da Virgem seja considerada em toda a história da salvação, isto é, na sua relação com Deus; com Cristo, Verbo Encarnado, salvador e mediador; com o Espírito Santo, santificador e dador de vida; com a Igreja, sacramento de salvação; com o homem, as suas origens e o seu progresso na vida da graça, o seu destino de glória;
c) correspondente aos vários tipos de instituição (centros de cultura religiosa, seminários, faculdades teológicas...) e ao nível dos estudantes: futuros sacerdotes e professores de mariologia, animadores da piedade mariana nas dioceses, formadores da vida religiosa, catequistas, conferencistas e todos os que desejam aprofundar o conhecimento mariano.
29. Um ensino ministrado desta maneira evitará apresentações unilaterais da figura e da missão de Maria, com prejuízo da visão de conjunto do seu mistério, e constituirá um estímulo para investigações aprofundadas através de seminários e elaborações de teses de licenciatura e de láurea sobre as fontes da Revelação e sobre os documentos do Magistério. Além disso os diferentes professores, numa correcta e fecunda visão interdisciplinar, poderão sublinhar no desenvolvimento do seu ensino as eventuais referências à Virgem.
30. É portanto necessário que cada centro de estudos teológicos — segundo a fisionomia própria preveja na Ratio studiorum o ensino da mariologia num modo definido e com as características acima enunciadas; e que, consequentemente, que os professores de mariologia tenham uma preparação adequada.
31. A este propósito convém acentuar que as Normas de aplicação da Sapientia christianaprevêem a licenciatura e a láurea em teologia com a especialização em mariologia.[59]
O CONTRIBUTO DA MARIOLOGIA PARA A PASTORAL E PARA A PIEDADE MARIANA
32. Como todas as disciplinas teológicas também a mariologia oferece um precioso contributo à pastoral. A este propósito a Marialis cultus sublinha que « a piedade à bem-aventurada Virgem, subordinada à piedade ao divino Salvador e em conexão com ela, tem um grande valor pastoral e constitui uma força inovadora dos costumes cristãos ».[60] Além disso ela é chamada a dar o seu contributo no vasto compo da evangelização.[61]
33. A investigação e o ensino da mariologia, e o seu serviço à pastoral tendem à promoção duma antêntica piedade mariana, que deve caracterizar a vida de todo o cristão e particularmente daqueles que se dedicam aos estudos teológicos e se preparam ao Sacerdócio.
A Congregação para a Educação Católica pretende chamar a atenção dum modo especial os Educadores dos Seminários da necessidade de suscitar uma autêntica piedade mariana nos seminaristas, isto é naqueles que serão um dia os principais responsáveis da pastoral da Igreja.
O Vaticano II, tratando da necessidade dos seminaristas terem uma profunda vida espiritual, recomenda que eles « amem e venerem com filial confiança a Santíssima Virgem, que foi dada como Mãe ao discípulo por Jesus Cristo moribundo na cruz ».[62]
Por seu lado esta Congregação, em conformidade com o pensamento do Concílio, sublinhou muitas vezes o valor da piedade mariana na formação dos alunos do seminário:
– na Ratio fundamentalis institutionis sacerdotalis pede ao seminarista que « ame ardentemente, segundo o espírito da Igreja, a Virgem Maria Mãe de Cristo, a Ele associada dum modo especial na obra da redenção »; [63]
– na « Carta circular sobre alguns aspectos mais urgentes da formação espiritual nos seminários » (6 de Janeiro de 1980) observa que « não há nada que possa introduzir melhor ... na alegria de crer, do que a verdadeira devoção à Virgem Maria, concebida como um esforço cada vez mais completo de imitação »;[64] e isto é muito importante para quem deverá fazer da própria vida um contínuo exercício de fé.
Código de Direito Canónico, tratando da formação dos candidatos ao Sacerdócio, recomenda o culto da bem-aventurada Virgem Maria, alimentado daqueles exercícios de piedade com os quais os alunos adquirem o espírito de oração e consolidam a vocação » [65] .

CONCLUSÃO
34. Com esta Carta a Congregação para a Educação Católica quere acentuar a necessidade de fornecer aos estudantes de todos os Centros de estudos eclesiásticos e aos seminaristas uma formação mariológica integral que abrace o estudo, o culto e a vida. Eles deverão:
a) adquirir um conhecimento completo e exacto da doutrina da Igreja sobre a Virgem Maria, que lhes consinta discernir a verdadeira da falsa devoção, e a autêntica doutrina das suas deformações por excesso ou por defeito; e sobretudo que lhes abra a via para contemplar e compreender a suprema beleza da gloriosa Mãe de Cristo;
b) alimentar um amor autêntico à Mãe do Salvador e Mãe dos homens, que se exprima em formas de veneração genuínas e se traduza na « imitação das suas virtudes » [66] e sobretudo num empenho decidido a viver segundo os mandamentos de Deus e a fazer a sua vontade (cf. Mt. 7, 21; Jo. 15, 14);
c) desenvolver a capacidade de comunicar tal amor com a palavra, os escritos, a vida, ao povo cristão, cuja piedade mariana se deve promover e cultivar.
35. Com efeito, duma formação mariológica adequada, na qual o elan da fé e o empenho do estudo se conjugam harmonicamente, derivarão numerosas vantagens:
–  no plano intelectual, porque a verdade acerca de Deus e do Homem, acerca de Cristo e da Igreja, vem aprofundada a exaltada pelo conhecimento da « verdade sobre Maria »;
–  no plano espiritual, porque tal formação ajuda o cristão a acolher e a introduzir « em todo o espaço da própria vida interior »,[67] a Mãe de Jesus;
–  no plano pastoral, para que o povo cristão sinta fortemente a Mãe do Senhor como uma presença de graça.
36. O estudo da mariologia tende, como sua meta última, à aquisição duma sólida espiritualidade mariana, aspecto essencial da espiritualidade cristã. No seu caminho para a obtenção da plena maturidade de Cristo (cf. Ef. 4, 13), o discípulo do Senhor, consciente da missão que Deus confiou à Virgem na história da salvação e na vida da Igreja, assume-a como "mãe e mestra de vida espiritual": [68] com ela e como ela, à luz da Encarnação e da Páscoa, imprima à própria existência uma orientação decisiva para Deus por Cristo no Espírito, para viver na Igreja a proposta radical da Boa Nova e, em particular, o mandamento do amor (cf. Jo. 15, 12).
Eminências, Excelências, Reverendos Reitores dos Seminários, Reverendos Presidentes e Decanos das facultades eclesiásticas, queremos esperar que as breves orientações acima indicadas tenham a recepção devida entre os professores e os estudantes para que se possam obter os frutos desejados.
Desejando às Vossas Pessoas a abundância das bênçãos divinas, nos subscrevemos, muito atentamente,
WILLIAM Cardinal BAUM Prefeito

ANTONIO M. JAVIERRE ORTAS Arcebispo tit. de Meta Secretário