domingo, 24 de junho de 2012


Exegese

Comentário Exegético – Nascimento de São João Batista – Ano B

EPÍSTOLA (At 13 e 22-25)

(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)
INTRODUÇÃO: A perícope de hoje é parte do discurso de Paulo na sinagoga de Antioquia da Pisídia. Feitas as leituras da Lei e dos profetas, seguindo a invitação do chefe da sinagoga, Paulo pede a palavra e pronuncia um discurso, que sem dúvida é o paradigma com o qual ele se dirigia aos judeus da diáspora. Dentro do discurso, a figura do Batista, conhecida no mundo israelita, é chave para entender a missão de Jesus a quem seu arauto proclamava ser o Messias.
       DAVI COMO MODELO DE SERVO DE DEUS: Suscitou-lhes o Davi como rei, do qual também disse testemunhando: Encontrei Davi, o de Isaías, homem segundo meu coração, que fará todas as minhas vontades (22). Suscitavit illis David regem cui et testimonium perhibens dixit inveni David filium Iesse virum secundum cor meum qui faciet omnes voluntates meas. A palavra da Escritura, como profecia ou palavra de Jahveh, era a base da argumentação dos doutores da Lei. E Paulo usa essa palavra neste seu discurso para acreditar o título de Messias de Jesus. Implicitamente cita 1 Sam 13, 14 no início do versículo que não é lido como epístola no dia de hoje: tendo removido Saul. Assim o declara o texto de Samuel: Agora não subsistirá o teu reino; já tem buscado o SENHOR para si um homem segundo o seu coração, e já lhe temordenado o SENHOR, que seja capitão sobre o seu povo, porquanto não guardaste o que o SENHOR te ordenou. A desobediência é a causa do pecado, pois coloca o homem na frente de Deus e orgulhosamente se atreve a pronunciar o rebelde não serviam. Por isso no Sl 89, 20 lemos: Achei a Davi, meu servo; com santo óleo o ungi. E será de Ciro de quem Isaías declarará que cumprirá todas as vontades de Jahveh e por isso o chama de meu pastor (Is 44, 28).
DE DAVI NACEU JESUS: Deste, do sêmen, o Deus, segundo a promessa, suscitou para Israel como Salvador, Jesus (23). Huius Deus ex semine secundum promissionem eduxit Israhel salvatorem Iesum. SÊMEN [sperma <4690>=semem] com o significado de semente de um vegetal como em Mt 13, 24: O reino dos céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo. Pode ser o esperma o DNI que é transmitido pelo varão como em 1 Jo 3, 9: Qualquer que é nascido de Deus não comete pecado; porque a sua semente permanece nele. Finalmente e este é o sentido que encontramos neste versículo: significa descendência como em Mt 22, 24: Se morrer alguém, não tendo filhos, casará o seu irmão com a mulher dele, e suscitará descendência a seu irmão. Ou seja, da descendência de Davi nasceria o SALVADOR [sötër<4990>=salvator] em hebraico Jeshua <03442>=Iësous [Jahveh é salvação] que a Setenta traduz por Sötër e a Vulgata por Salvator, e também Mashiah <04899> [ungido] Christos<5547> em grego e Christus em latim.
       PREGAÇÃO DO BATISTA: Havendo João pregado antes da presença de sua manifestação, um batismo de conversão a todo o povo de Israel (24). Praedicante Iohanne ante faciem adventus eius baptismum paenitentiae omni populo Israhel. PRESENÇA [prosöpon<4383>=facies]: o significado material é rosto, cara, como em Mt 6, 16: Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque desfiguram os seus rostos. Mas em sentido figurado é presença, comparecimento pessoal, como em Mt 11, 10: Eis que diante da tua face envio o meu anjo, ou em Lc 2, 31: A qual [salvação] tu preparaste perante a face de todos os povos. A face é um semitismo que pode ser suprimido e dizer: perante todos os povos, e no nosso caso antes de sua MANIFESTAÇÃO [eisodos<1529>=adventus] com o significado de entrada, acesso, entrada em cena, que temos traduzido por manifestação, se deixar conhecer, se deixar ver em público; assim em 1 Ts 1, 9: Eles mesmos [os gregos] anunciam de nós qual a entrada que tivemos para convosco. A manifestação é a do Messias, o Cristo, ou ungido, que João negava ser (Jo 1, 20). João pregava um batismo de CONVERSÃO [metanoia<334>= paenitentia]. Naqueles tempos todos sabiam que João foi uma figura venerada, como foram os profetas no AT. Unicamente os chefes dos sacerdote e os senadores do povo duvidaram do batismo de João (Mt 21, 25). Era um batismo de arrependimento [methanoia], ou conversão, diferente do batismo de perdão [afesis] dos pecados  que era próprio de Jesus, quem foi elevado a Príncipe e Salvador (At 5, 31). Podemos dizer que o batismo de João era de predisposição para que Deus perdoasse o pecado (Mt 3, 11) e preparasse os corações reconduzindo os filhos de Israel, ao Senhor seu Deus, …conduzindo os rebeldes a pensar como os justos, a fim de formar para o Senhor um povo preparado (Lc 1, 16-17). Já o batismo de Jesus era o instrumento do perdão e da reconciliação, pois batizará no Espírito Santo (Mc 1, 8).
O TESTEMUNHO: Como, pois, completou João sua carreira, dizia: quem vós supondes ser não sou eu, mas eis que vêm após mim de quem não sou digno desatar as sandálias dos pés (25). Cum impleret autem Iohannes cursum suum dicebat quem me arbitramini esse non sum ego sed ecce venit post me cuius non sum dignus calciamenta pedum solvere. O Batista anuncia sua missão: ele não era o esperado (Mt 11, 3), mas quem devia preparar o caminho (Lc 3, 4), que basicamente consistia em viver a caridade e a justiça (Lc 3, 11-14). Esse, que todos pressentiam, viria após João e era tão importante que nem o posto de ínfimo escravo pretendia João como discípulo e servidor (Lc 3, 16), pois era próprio do discípulo desatar a correia do Mestre quando chegava em casa após uma caminhada pela cidade.

EVANGELHO (Lc 1, 57-66.80)

(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)
INTRODUÇÃO: A circuncisão era o sinal da Aliança de Jahveh com Israel: Esta é a minha aliança, que guardareis entre mim e vós, e a tua descendência depois de ti: Que todo homem entre vós será circuncidado (Gn 17, 10). Por isso, Jahveh promete: E eu vos tomarei por meu povo, e serei vosso Deus; e sabereis que eu sou o SENHOR vosso Deus, que vos tiro por debaixo das cargas dos egípcios (Êx 6, 7). Eu serei teu Deus e tu serás meu povo. Israel adotou o rito que era realizado aos oito dias do nascimento (Gn 17, 11 e Lv 12, 3). Povos antigos também realizavam o rito que tinha para eles outro significado: entrada na comunidade como adulto ou preparação para o matrimônio. Em Israel o escravo ou o alienígena só formavam parte do povo através da circuncisão (Êx 12, 44 e 48). Mas parece que durante a travessia do deserto [40 anos] não houve circuncisão, de modo que unicamente em Guilgal Josué obrigou a todos a circuncidar-se. No tempo da perseguição selêucida, a circuncisão constituía o sinal distintivo do judeu fiel (1 Mc 1, 15). No tempo de Jesus, a circuncisão era obrigatória, até tal ponto que os chamados judaizantes queriam que a circuncisão fosse a porta para entrar na Nova Aliança. E foi precisamente Paulo que entendeu ser um rito caduco substituído amplamente pela fé e o batismo (Rm 3, 28-30). Jesus, nascido de mulher também nasceu sob  a Lei (Gl 4, 4) e foi circuncidado, tomando o nome  de Jesus (Lc 2, 21). O relato de hoje é o do nascimento do Batista, acompanhado de fatos milagrosos e extraordinários que indicavam a intervenção divina no nascimento do menino. A leitura deixa de lado o canto de Zacarias e nos oferece num versículo extremamente conciso uma breve história da infância do Batista.
O PARTO: A Isabel, pois, se cumpriu o tempo de dar à luz e teve um filho (57). Elisabeth autem impletum est tempus pariendi et peperit filium. O relato é normal. ISABEL, como uma mulher comum, cumpre os tempos e modos de ser mãe. Foi um parto normal, segundo as leis biológicas da espécie humana. Como os nomes são parte importante da vida no AT vejamos o significado de Isabel em grego Elisabet [<1665>= Elisabeth]. Tomado do hebraico Elisheba’ <0472>= aquele a quem Deus [El] é juramento [savah=jurar] ou em termos mais populares, servidor de Deus, porque unicamente Deus é a razão de seu compromisso. O nome aparece em Êx 6, 23: Aarão tomou por mulher a Isabel, filha de Aminadab, irmão de Naasson; e ela deu-lhe Nadab, Abiú, Eleazar e Itamar. Foi, pois, a mulher de Aarão, o primeiro Sumo Sacerdote e mãe dos primeiros sacerdotes do povo em Israel. Era uma mulher dedicada ao serviço de Deus através do serviço prestado ao marido e aos filhos.
      ADMIRAÇÃO DOS VIZINHOS: E ouviram os vizinhos e os seus parentes porque magnificou (o) Senhor sua misericórdia com ela; e se regozijavam com ela (58). Et audierunt vicini et cognati eius quia magnificavit Dominus misericordiam suam cum illa et congratulabantur ei. O parto foi normal, mas não a gravidez e gestação; pois, como disse Lucas, não era idade para ter um filho porque minha mulher é avançada em idade (Lc 1, 18). VIZINHOS [periokoi<4040>=vicini] é um ápax, facilmente entendido, pois tem como componentes peri [ao redor] e oikos [casa]. PARENTES [syggeneis <4773>=cognati] a palavra sai 13 vezes no NT, a maioria das vezes (5) em Lucas e unicamente em Marcos uma vez (6, 4); em João uma vez (18, 26); uma nos Atos (10, 24) e 4 em Romanos. Especialmente, Maria era parenta de Isabel como diz Lucas em 1, 36. Contrariamente às línguas semitas, o grego, admite além de irmãos [adelfos <80>=frater] outros vocábulos para os diversos parentes. Do fato de que Lucas  usa syggenës dizem os evangélicos que em 8, 20: Estão lá fora tua mãe e teus irmãos, que querem ver-te, mãe e irmãos devem ser tomados no sentido grego e consequentemente Maria teve mais filhos ou eles eram filhos de José, que casou com Maria uma vez viúvo. Mas, segundo Marcos (15, 40), estavam ao pé de cruz Maria [irmã  de sua mãe segundo João (19, 25)] que era a mãe de Tiago e José, os dois irmãos de Jesus  em Mt 13, 55 e Mc 6,3. Esse Tiago é chamado o menor para distingui-lo do maior o filho do Zebedeu e irmão de João (Mc 1, 19). Duas questões para poder aclarar este mistério dos irmãos de Jesus: 1) Como na mesma família de irmãos pode haver duas mulheres com o mesmo nome de Maria? (Mc 6, 3 e Mc 15, 40 que João chama de mulher de Clopas). 2) Os filhos de Maria de Clopas, irmã de Maria, a mãe de Jesus, são os mesmos Tiago e José de (Mt 13, 55 e Mc 6, 3) que os filhos de sua irmã, também chamada Maria em Mt 27, 56 e Mc 15, 49? Ou são filhos de José e Maria? Uma reflexão final: Nos primeiros capítulos, Lucas não depende de nenhum outro evangelho e escreve livremente. Logo no resto do evangelho, ele escreve tendo em vista tradições e até escritos que não se atreve a mudar. Por isso usa syggenës nos primeiros capítulos e usará adelfos nos capítulos comuns com os outros sinóticos. MAGNIFICOU [emegalynen<3170>=magnificavit] do verbo megalunö, magnificar ou fazer grande como costumavam fazer os fariseus com as filactérias de seus mantos: alargam as franjas das suas vestes (Mt 12, 5). E em sentido figurado exaltar, glorificar, louvar e elogiar. Como vemos é o sentido material de engrandecer ou alargar a MISERICÓRDIA [eleos<1656>=misericordia]: o grego é mercê, clemência, compaixão, piedade. De fato, segundo o pensar de Maria, a relação de Deus com o povo de Israel é um ato contínuo de misericórdia: Para manifestar misericórdia a nossos pais, e lembrar-se da sua santa aliança (Lc 1, 72). Misericórdia que é também a base da relação de Deus com os homens, segundo Paulo: Para que os gentios glorifiquem a Deus pela sua misericórdia, como está escrito: Portanto eu te louvarei entre os gentios (Rm 15, 9). Um ato de misericórdia divina é um ato de amor de um ser superior [Deus]  que se inclina ante a debilidade e impotência da criatura e ajuda e conforta com bens não devidos por causa da deficiência humana. No caso de Isabel a impotência de conceber foi amplamente remediada pela potência divina. REGOZIJAVAM-SE [synechairon<4795>=congrutalabantur] O nascimento de um menino sempre tem sido motivo de alegria, a não ser nos tempos modernos em que tantas mães se livram por meio do aborto dos futuros bebês. Já em 1, 14 Lucas escreve que o anjo disse a Zacarias: Terás prazer e alegria, e muitos se alegrarão no seu nascimento. O anúncio foi cumprido amplamente entre vizinhos e familiares do velho casal. Isabel já o tinha percebido quando afirmava: Deus foi bom para mim, dizia ela para consigo. Agora já não tenho de que me envergonhar diante de ninguém (Lc 1, 25). Pois a infecundidade era uma espécie de maldição divina para a mulher que estava destinada a dar filhos ao varão como parte imprescindível de seu serviço ao marido.
      A CIRCUNCISÃO: E sucedeu no oitavo dia vieram circuncidar o menino e chamavam-lhe pelo nome do pai dele, Zacarias (59). Et factum est in die octavo venerunt circumcidere puerum et vocabant eum nomine patris eius Zacchariam. No oitavo dia era o dia que a Lei marcava para a circuncisão [perytome <4061>=circuncisio, em hebraico mulah<04130> de Êx 4, 26] do varão recém-nascido: No dia oitavo se circuncidará ao menino a carne do seu prepúcio (Lv 12, 3). Respeitados os 7 dias que formavam um número sagrado, era o primeiro dia após esse número, que o menino era consagrado ao povo de Deus. Por isso, o numero sete [sheva’ <07651>] se confunde com a palavra jurar [Shaba<07650>] já que juramento era confirmado com sete vítimas (Gn 21, 28) ou sete testemunhas (Ez 21, 18). ZACARIAS [Zacharias<2197>=Zaccharia] que em hebraico é Zekariah<02148> nome composto de Zekar<0214>= recordar e Yah <03050>=yahveh em forma abreviada. No AT, principalmente entre muitos outros nomes (38 vezes), o de um rei de Israel filho de Jeroboão II (2 Rs 14, 29), um dos príncipes de Judá nos tempos de Josafá (2 Cr 17, e o profeta Zacarias (Zc 1, 1 e Esd 5, 1); e no NT aparece Zacarias como filho de  Baraquias morto entre o templo e o altar (Mt 23, 35). E a compra do campo do oleiro no vale do Hinom atribuído a Jeremias (32, 6-15) por Mateus (27, 9), mas que na realidade foi anunciada por Zacarias (11, 12-13). Segundo o pensar da maioria o nome do menino seria, pois, Zacarias ben Zacarias.
RESPOSTA DA MÃE: E tendo respondido a sua mãe disse: de modo nenhum; mas será chamado João (60). E diziam a ela que ninguém há em tua parentela que é chamado com esse nome (61). Et respondens mater eius dixit nequaquam sed vocabitur Iohannes. Et dixerunt ad illam quia nemo est in cognatione tua qui vocetur hoc nomine Elisabet. A mãe se opôs dizendo que devia ser chamado JOÃO [Iöannës<2491>= Ioannes] do hebraico Yohanan [<03110> = Yahveh há favorecido] sem dúvida como ação de graças pelo benefício recebido ao ser mãe em idade tão avançada. Mesmo assim, os parentes e vizinhos arguiam com o fato de que o nome João era inusitado na família, PARENTELA [syggeneia<4772 >=cognatio] palavra que aparece somente 3 vezes no NT: esta e em At 7, 3 e 7, 14. Conservar o nome era como atualmente conservar o nome familiar. Era a continuação do indivíduo como se fosse uma espécie de vida imortal em momentos em que a ressurreição corporal não estava definida.
 O PAI: Faziam  sinais ao pai dele de que queria ser ele  chamado (62). Innuebant autem patri eius quem vellet vocari eum. O Pai estava mudo segundo o anúncio do anjo: Eis que ficarás mudo, e não poderás falar até o dia em que estas coisas aconteçam (Lc 1, 20). Consequência de uma intervenção no momento da aparição do anjo? É provável, porque a Escritura fala em termos de causa primeira quando na realidade as causas segundas são as que operam como em 2 Rs 19, 35, em que devemos provavelmente buscar na contaminação de águas o que o cronista atribui ao anjo do Senhor. Na ciência e na história os autores sagrados falam segundo o sentir comum da época, sem critério científico nem histórico. Por isso, embora Zacarias entendesse as palavras, não poderia se explicar a não ser por sinais.
O NOME: E tendo pedido uma tabuinha escreveu dizendo: João é o nome dele (63). Et postulans pugillarem scripsit dicens Iohannes est nomen eius et mirati sunt universi. TABUINHA [pinakidion<4093>=pugillaris] é o diminutivo de pinax <4094>, de pinheiro, árvore da qual se extraia a madeira para formar a tábua das mesas. O diminutivo aponta às tabuinhas com capa de cera que serviam para tomar notas e para escrever nas escolas as notas dos  escolares por meio de um estilete.  Que dentro do geral analfabetismo da época, Zacarias soubesse escrever e não só ler, como aprendiam os meninos israelitas da época, é lógico, pois Zacarias estava entre as classes privilegiadas, como sacerdote. O nome que escreveu e que era praticamente o oficial, pois ao pai de família se dava o privilégio de escolher e impor o nome do bebê, já que neste ato recebia o mesmo como descendente dele e admitia sua paternidade, em concordância com o que o anjo disse a José sobre o menino Jesus: (Maria) dará à luz um filho e chamarás o seu nome JESUS; porque ele salvará o seu povo dos seus pecados. Zacarias escreveu o nome: João. E  nada mais tinha a suceder.
     ZACARIAS RECUPERA A FALA: Abriu-se então a boca dele imediatamente e a língua dele e falava abençoando a Deus (64). Apertum est autem ilico os eius et lingua eius et loquebatur benedicens Deum. Efetivamente, é agora que se cumpre o anunciado pelo anjo: Não poderás falar até o dia em que estas coisas aconteçam (Lc 1, 20). Porém, como aconteceu no naós do santuário que Zacarias ficou sem voz, agora volta a voz e  a fala neste instante em que escolhe o nome de seu filho. E o velho Zacarias que era um homem justo, cumpridor da  Lei (Lc 1, 6), usou sua língua para agradecer a obra de Deus em sua vida. O hino que Lucas logo porá em boca dele indica o louvor e agradecimento não só dele, o pai,  mas de todo o povo de Israel, porque veio socorrer e salvar o seu povo (1, 68).
        A FAMA: E aconteceu temor sobre todos os seus vizinhos; e em toda a região da Judeia se discutiam todos estes fatos (65). Et factus est timor super omnes vicinos eorum et super omnia montana Iudaeae divulgabantur omnia verba haec. Contrariamente ao critério dos modernos estudiosos que intentam desmitificar os evangelhos e recorrem a toda classe de razões e subterfúgios para evitar o transcendente e sobrenatural, os conterrâneos de Zacarias viram nestes fatos a mão miraculosa de Deus e celebravam com TEMOR [fobos<5401>=timor]. É esse temor reverencial que a presença de Deus como autor imediato de um fato suscita em todo crente, como lemos que aconteceu a Zacarias quando viu o anjo à direta do altar do incenso: Zacarias, vendo-o, turbou-se, e caiu temor sobre ele (Lc 1, 12). FATOS [remata<44 87>=verba] propriamente seriam narrações, e daí sucessos comentados ou preservados na memória do povo.
O PORTENTO: E todos os ouvintes as guardavam em seu coração dizendo: que será este menino porque a mão do Senhor estava com ele (66).  Et posuerunt omnes qui audierant in corde suo dicentes quid putas puer iste erit etenim manus Domini erat cum illo. CORAÇÃO [kardia<2588>=cor] era o órgão que hoje chamaríamos de mente. Neste versículo guardar no coração equivale a guardar na memória, como vulgarmente dizemos. Vistos os fatos extraordinários, bem podia o  povo dizer que o braço ou poder de Deus se tinha manifestado no nascimento e, portanto, aquele menino estava destinado a grandes eventos na sua vida.
       RESUMO DA INFÂNCIA: O menino, pois, crescia e se fortalecia em espírito e estava nos lugares desabitados até o dia de se mostrar diante de Israel (80). Puer autem crescebat et confortabatur spiritu et erat in deserto usque in diem ostensionis suae ad Israhel. Os versículos seguintes (67-79) não formam parte do evangelho de hoje e constituem o cântico de Zacarias, ou Benedictus. Finalmente temos este último versículo em que a vida do Batista é resumida como um crescimento corporal e um fortalecimento espiritual para o qual o afastamento dos homens foi a presença divina em sua vida. Lucas repetirá a mesma descrição da vida infantil de Jesus (Lc 2, 40) com exceção de sua parte eremítica. A frase de Lucas é tão universal que dificilmente podemos afirmar que João fosse um eremita desde sua infância. Seria na sua vida adulta quando esse retiro fosse realmente factível e real, de modo que Mateus pudesse afirmar: Naqueles dias, apareceu João o Batista pregando no deserto da Judeia (Mt 3, 1)

Catequese sobre o Sacramento da Confissão

1. O QUE É A CONFISSÃO?
Confissão ou Penitência é o Sacramento instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo, para que os cristãos possam ser perdoados de seus pecados e receberem a graça santificante. Também é chamado de sacramento da Reconciliação. 
2. QUEM INSTITUIU O SACRAMENTO DA CONFISSÃO OU PENITÊNCIA?
O sacramento da Penitência foi instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo, segundo nos ensina o Evangelho de São João: “Depois dessas palavras (Jesus) soprou sobre eles dizendo-lhes: Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem vocês perdoarem os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20, 22-23). 
3. A IGREJA TEM A AUTORIDADE PARA PERDOAR OS PECADOS ATRAVÉS DO SACRAMENTO DA PENITÊNCIA?
Sim, a Igreja tem esta autoridade porque a recebeu de Nosso Senhor Jesus Cristo: “Em verdade vos digo: tudo o que ligardes sobre a terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes sobre a terra será também desligado no céu” (Mt 18,18).  
4. POR QUE ME CONFESSAR E PEDIR O PERDÃO PARA UM HOMEM IGUAL A MIM?  
Só Deus perdoa os pecados. O Padre, mesmo sendo um homem sujeito às fraquezas como outros homens, está ali em nome de Deus e da Igreja para absolver os pecados. Ele é o ministro do perdão, isto é, o intermediário ou instrumento do perdão de Deus, como os pais são instrumentos de Deus para transmitir a vida a seus filhos; e como o médico é um instrumento para restituir a saúde física, etc.  
5. OS PADRES E BISPOS TAMBÉM SE CONFESSAM?  
Sim, obedientes aos ensinamentos de Cristo e da Igreja, todos os Padres, Bispos e mesmo o Papa se confessam com frequência, conforme o mandamento: “Confessai os vossos pecados uns aos outros” (Tg 5,16 ).   
6. O QUE É NECESSÁRIO PARA FAZER UMA BOA CONFISSÃO?
Para se fazer uma boa confissão são necessárias 5 condições:
a) um bom e honesto exame de consciência diante de Deus;
b) arrependimento sincero por ter ofendido a Deus e ao próximo;
c) firme propósito diante de Deus de não pecar mais, mudar de vida, se converter;
d) confissão objetiva e clara a um sacerdote;
e) cumprir a penitência que o padre nos indicar. 
7. COMO DEVE SER A CONFISSÃO?
Diga o tempo transcorrido desde a última confissão. Acuse (diga) seus pecados com clareza, primeiro os mais graves, depois os mais leves. Fale resumidamente, mas sem omitir o necessário. Devemos confessar os nossos pecados e não os dos outros. Porém, se participamos ou facilitamos de alguma forma o pecado alheio, também cometemos um pecado e devemos confessá-lo (por exemplo, se aconselhamos ou facilitamos alguém a praticar um aborto, somos tão culpados como quem cometeu o aborto).  
8. O QUE PENSAR DA CONFISSÃO FEITA SEM ARREPENDIMENTO OU SEM PROPÓSITO DE CONVERSÃO, OU SEJA, SÓ PARA “DESCARREGAR” UM POUCO OS PECADOS?
Além de ser uma confissão totalmente sem valor, é uma grave ofensa à Misericórdia Divina. Quem a pratica comete um pecado grave de sacrilégio. 
9. QUE PECADOS SOMOS OBRIGADOS A CONFESSAR?
Somos obrigados a confessar todos os pecados graves (mortais). Mas é aconselhável também confessar os pecados leves (veniais) para exercitar a virtude da humildade.   
10. O QUE SÃO PECADOS GRAVES (MORTAIS) E SUAS CONSEQUÊNCIAS?
São ofensas graves a Deus ou ao próximo. Eles apagam a caridade no coração do homem e o desviam de Deus. Quem morre em pecado grave (mortal) sem arrependimento, merece a morte eterna, conforme diz a Escritura: “Há pecado que leva à morte” (1Jo 5,16b). 
11. O QUE SÃO PECADOS LEVES (ou também chamados de VENIAIS)?
São ofensas leves a Deus e ao próximo. Embora ofendam a Deus, não destroem a amizade entre Ele e o homem. Quem morre em pecado leve não merece a morte eterna. “Toda iniquidade é pecado, mas há pecado que não leva à morte” (1Jo 5, 17). 
12. PODEIS DAR ALGUNS EXEMPLOS DE PECADOS GRAVES?
São pecados graves, por exemplo: O assassinato, o aborto provocado, assistir ou ler material pornográfico, destruir de forma grave e injusta a reputação do próximo, oprimir o pobre, o órfão ou a viúva, fazer mau uso do dinheiro público, o adultério, a fornicação, entre outros.   
13. QUER DIZER QUE TODO AQUELE QUE MORRE EM PECADO MORTAL ESTÁ CONDENADO?
Merece a condenação eterna. Porém, somente Deus, que é justo e misericordioso e que conhece o coração de cada pessoa, pode julgar. 
14. E SE TENHO DÚVIDAS SE COMETI PECADO GRAVE OU NÃO?
Para que haja pecado grave (mortal) é necessário:
a) conhecimento, ou seja, a pessoa deve saber, estar informada que o ato a ser praticado é pecado;
b) consentimento, ou seja, a pessoa tem tempo para refletir, e escolhe (consente) cometer o pecado;
c) liberdade, isto é, significa que somente comete pecado quem é livre para fazê-lo;
d) matéria, ou seja, significa que o ato a ser praticado é uma ofensa grave aos Mandamentos de Deus e da Igreja. 
Estas 4 condições também são aplicáveis aos pecados leves, com a diferença que neste caso a matéria é uma ofensa leve contra os Mandamentos de Deus. 
15. SE ESQUECI DE CONFESSAR UM PECADO QUE JULGO GRAVE?
Se esquecestes realmente, o Senhor te perdoou, mas é preciso acusá-lo ao sacerdote em uma próxima confissão. 
16. E SE NÃO SINTO REMORSO, COMETI PECADO?
Não sentir peso na consciência (remorso) não significa que não tenhamos pecado. Se nós cometemos livremente uma falta contra um Mandamento de Deus, de forma deliberada, nós cometemos um pecado. A falta de remorso pode ser um sinal de um coração duro, ou de uma consciência pouco educada para as coisas espirituais (por exemplo, um assassino pode não ter remorso por ter feito um crime, mas seu pecado é muito grave).   
17. A CONFISSÃO É OBRIGATÓRIA?
O católico deve confessar-se no mínimo uma vez por ano, ao menos a fim de se preparar para a Páscoa. Mas somos também obrigados toda vez que cometemos um pecado mortal. 
18. QUAIS OS FRUTOS DE SE CONFESSAR CONSTANTEMENTE?
Toda confissão apaga completamente nossos pecados, até mesmo aqueles que tenhamos esquecido. E nos dá a graça santificante, tornando-nos naquele instante uma pessoa santa. Tranquilidade de consciência, consolo espiritual. Aumenta nossos méritos diante do Criador. Diminui a influência do demônio em nossa vida. Faz criar gosto pelas coisas do alto. Exercita-nos na humildade e nos faz crescer em todas as virtudes. 
19. E SE TENHO DIFICULDADE PARA CONFESSAR UM DETERMINADO PECADO?
Se somos conhecidos de nosso pároco, devemos neste caso fazer a confissão com outro padre para nos sentirmos mais à vontade. Em todo caso, antes de se confessar converse com o sacerdote sobre a sua dificuldade. Ele usará de caridade para que a sua confissão seja válida sem lhe causar constrangimentos. Lembre-se: ele está no lugar de Jesus Cristo!
20. O QUE SIGNIFICA A PENITÊNCIA DADA NO FINAL DA CONFISSÃO?
A penitência proposta no fim da confissão não é um castigo; mas antes uma expressão de alegria pelo perdão celebrado.  
Padre Wagner AugPortugalusto 

sexta-feira, 22 de junho de 2012


O Purgatório

A Igreja chama de purgatório esta purificação final dos eleitos

Desde os primórdios a Igreja, assistida pelo Espírito Santo (cf. Mt 28,20; Jo 14,15.25; 16,12´13), acredita na purificação das almas após a morte, e chama este estado, não lugar, de Purgatório.
Ao nos ensinar sobre esta matéria, diz o nosso Catecismo:
“Aqueles que morrem na graça e na amizade de Deus, mas imperfeitamente purificados, estão certos da sua salvação eterna, todavia sofrem uma purificação após a morte, afim de obter a santidade necessária para entrar na alegria do céu” (CIC, §1030).
Logo, as almas do Purgatório “estão certas da sua salvação eterna”, e isto lhes dá grande paz e alegria. Falando sobre isso, disse o Papa João Paulo II:
“Mesmo que a alma tenha de sujeitar-se, naquela passagem para o Céu, à purificação das últimas escórias, mediante o Purgatório, ela já está cheia de luz, de certeza, de alegria, porque sabe que pertence para sempre ao seu Deus.” (Alocução de 3 de julho de 1991; LR n. 27 de 7/7/91)
O Catecismo da Igreja ensina que:
“A Igreja chama de purgatório esta purificação final dos eleitos, purificação esta que é totalmente diversa da punição dos condenados. A Igreja formulou a doutrina da fé relativa ao Purgatório principalmente nos Concílios de Florença (1438-1445) e de Trento (1545-1563)” (§ 1031).
“Este ensinamento baseia-se também sobre a prática da oração pelos defuntos de que já fala a Escritura Sagrada: Eis porque Judas Macabeus mandou oferecer este sacrifício expiatório em prol dos mortos, a fim de que fossem purificados de seu pecado (2 Mac 12, 46). Desde os primeiros tempos a Igreja honrou a memória dos defuntos e ofereceu sufrágios em favor dos mesmos, particularmente o sacrifício eucarístico, a fim de que, purificados, possam chegar à visão beatífica de Deus. A Igreja recomenda também as esmolas, as indulgências e as obras de penitência em favor dos defuntos”.
Devemos notar que o ensinamento sobre o Purgatório tem raízes já na crença dos próprios judeus, cerca de 200 anos antes de Cristo, quando ocorreu o episódio de Judas Macabeus. Narra-se aí que alguns soldados judeus foram encontrados mortos num campo de batalha, tendo debaixo de suas roupas alguns objetos consagrados aos ídolos, o que era proibido pela Lei de Moisés. Então Judas Macabeus mandou fazer uma coleta para que fosse oferecido em Jerusalém um sacrifício pelos pecados desses soldados. O autor sagrado, inspirado peloEspírito Santo, louva a ação de Judas:
“Se ele não esperasse que os mortos que haviam sucumbido iriam ressuscitar, seria supérfluo e tolo rezar pelos mortos. Mas, se considerasse que uma belíssima recompensa está reservada para os que adormeceram piedosamente, então era santo e piedoso o seu modo de pensar. Eis porque ele mandou oferecer esse sacrifício expiatório pelos que haviam morrido, afim de que fossem absolvidos do seu pecado”. (2 Mac 12,44s)
Neste caso, vemos pessoas que morreram na amizade de Deus, mas com uma incoerência, que não foi a negação da fé, já que estavam combatendo no exército do povo de Deus contra os inimigos da fé.
Todo homem foi criado para participar da felicidade plena de Deus (cf. CIC, 1), e gozar de sua visão face-a-face. Mas, como Deus é “Três vezes Santo”, como disse o Papa Paulo VI, e como viu o profeta Isaías (Is 6,8), não pode entrar em comunhão perfeita com Ele quem ainda tem resquícios de pecado na alma. A Carta aos Hebreus diz que: “sem a santidade ninguém pode ver a Deus” (Hb 12, 14). Então, a misericórdia de Deus dá-nos a oportunidade de purificação mesmo após a morte. Entenda, então, que o Purgatório, longe de ser castigo de Deus, é graça da sua misericórdia paterna.
O ser humano carrega consigo uma certa desordem interior, que deveria extirpar nesta vida; mas quando não consegue, isto leva-o a cair novamente nas mesmas faltas. Ao confessar recebemos o perdão dos pecados; mas, infelizmente, para a maioria, a contrição ainda encontra resistência em seu íntimo, de modo que a desordem, a verdadeira raiz do pecado, não é totalmente extirpada. No purgatório essa desordem interior é totalmente destruída, e a alma chega à santidade perfeita, podendo entrar na comunhão plena com Deus, pois, com amor intenso a Ele, rejeita todo pecado.
Com base nos ensinamentos de São Paulo, a Igreja entendeu também a realidade do Purgatório. Em 1Cor 3,10, ele fala de pessoas que construíram sobre o fundamento que é Jesus Cristo, utilizando uns, material precioso, resistente ao fogo (ouro, prata, pedras preciosas) e, outros, materiais que não resistem ao fogo (palha, madeira). São todos fiéis a Cristo, mas uns com muito zelo e fervor, e outros com tibieza e relutância. E Paulo apresenta o juízo de Deus sob a imagem do fogo a provar as obras de cada um. Se a obra resistir, o seu autor “receberá uma recompensa”; mas, se não resistir, o seu autor “sofrerá detrimento”, isto é, uma pena; que não será a condenação; pois o texto diz explicitamente que o trabalhador “se salvará, mas como que através do fogo”, isto é, com sofrimentos.
O fogo neste texto tem sentido metafórico e representa o juízo de Deus (cf. Sl 78, 5; 88, 47; 96,3). O purgatório não é de fogo terreno, já que a alma, sendo espiritual, não pode ser atingida por esse fogo. No purgatório a alma vê com toda clareza a sua vida tíbia na terra, o seu amor insuficiente a Deus, e rejeita agora toda a incoerência a esse amor, vencendo assim as paixões que neste mundo se opuseram à vontade santa de Deus. Neste estado, a alma se arrepende até o extremo de suas negligências durante esta vida; e o amor a Deus extingue nela os afetos desregrados, de modo que ela se purifica. Desta forma, a alma sofre por ter sido negligente, e por atrasar assim, por culpa própria, o seu encontro definitivo com Deus. É um sofrimento nobre e espontâneo, inspirado pelo amor de Deus e horror ao pecado.

Pensamentos Consoladores sobre o Purgatório

O grande doutor da Igreja, São Francisco de Sales (1567-1655), tem um ensinamento maravilhoso sobre o purgatório. Ele ensinava, já na idade média, que “é preciso tirar mais consolação do que temor do pensamento do Purgatório”. Eis o que ele nos diz:
1 – As almas ali vivem uma contínua união com Deus.
2 – Estão perfeitamente conformadas com a vontade de Deus. Só querem o que Deus quer. Se lhes fosse aberto o Paraíso, prefeririam precipitar-se no inferno a apresentar-se manchadas diante de Deus.
3 – Purificam-se voluntariamente, amorosamente, porque assim o quer Deus.
4 – Querem permanecer na forma que agradar a Deus e por todo o tempo que for da vontade Dele.
5 – São invencíveis na prova e não podem ter um movimento sequer de impaciência, nem cometer qualquer imperfeição.
6 – Amam mais a Deus do que a si próprias, com amor simples, puro e desinteressado.
7 – São consoladas pelos anjos.
8 – Estão certas da sua salvação, com uma esperança inigualável.
9 – As suas amarguras são aliviadas por uma paz profunda.
10 – Se é infernal a dor que sofrem, a caridade derrama-lhes no coração inefável ternura, a caridade que é mais forte do que a morte e mais poderosa que o inferno.
11 – O Purgatório é um feliz estado, mais desejável que temível, porque as chamas que lá existem são chamas de amor.
Fonte: Extraído do livro O Breviário da Confiança, de Mons. Ascânio Brandão, 4a. ed. Editora Rosário, Curitiba, 1981

Pedro e o Papado

No Novo Testamento podemos encontrar ampla evidência de que Pedro foi o primeiro em autoridade entre os apóstolos. Cada vez que os apóstolos são nomeados, Pedro encabeça a lista (Mt 10,1-4; Mc 3,16-19; Lc 6,14-16; At 1,13); algumas vezes aparece somente “Pedro e aqueles que estavam com ele” (Lc 9,32). Pedro era o primeiro que geralmente falava em nome dos apóstolos (Mt 18,21; Mc 8,29; Lc 12,41; Jo 6,69), e aparece em muitas cenas dramáticas (Mt 14,28-32; Mt 17,24, Mc 10,28).
Em Pentecostes, Pedro foi o primeiro que predicou à multidão (At 2,14-40), e foi Pedro que realizou a primeira cura milagrosa na nascente Igreja (At 3,6-7). Também foi a Pedro a quem veio a revelação de que os Gentis foram batizados e aceitos como cristãos (At 10,46-48).
Sua preeminente posição entre os apóstolos estava simbolizada no próprio princípio de sua relação com Cristo. Em seu primeiro encontro, Cristo disse a Simão que seu nome seria mudado para Pedro, que é traduzido como Rocha (Jo 1,42).
O fato é que – além da única vez que Abraão é chamado “rocha” (Hebraico: sur; aramaico: Kefa) em Isaías 51,1-2 – no Antigo Testamento somente Deus era chamado de rocha. Na antigüidade, a palavra rocha não era usada como nome próprio. Se você se dirige a um companheiro e lhe diz: “De agora em diante teu nome é Aspargo”, as pessoas se surpreenderão. Por que Aspargo? Qual é a intenção disto? Que é que isto significa? Então, por que chamar “Rocha” a Simão, o pescador? Cristo não estava fazendo isto sem sentido, e tampouco os judeus, quando davam um nome.
Dar um novo nome é mudar a situação da pessoa, como quando o nome de Abrão foi mudado a Abraão (Gn 17,5), o de Jacó a Israel (Gn 32,28), o de Eliaquim a Joaquim (2Rs 23,34), os nomes dos quatro jovens hebreus – Daniel, Ananias Misael e Azarias – para Baltazar, Sidrak, Misak e Abdênago (Dn 1,6-8). Mas nenhum judeu tinha sido chamado de Rocha. Os judeus davam outros nomes tomados da natureza, como Barak (“relâmpago”, Jz 4,6), Débora (“abelha”, Gn 35,8) e Raquel (“ovelha”, Gn 29,16), mas não Rocha.
No Novo Testamento, Tiago e João foram chamados por Cristo com o sobrenome de Boanerges, que significa “Filhos do Trovão”, mas este nome nunca foi regularmente usado no lugar de seu nome original, e certamente não era tomado como um novo nome. Mas no caso de Simão-bar-Jonas, seu novo nome Kefas (em grego: Petrus) definitivamente substituiu o nome velho.
Como se deram as coisas
Não somente foi significante para Simão receber um novo e inusual nome, mas também foi importante o lugar onde Jesus solenemente mudou seu nome para Pedro. Isto sucedeu quando “Jesus veio à cidade de Cesaréia de Filipo” (Mt 16,13), uma cidade que Felipe, o Tetrarca, construiu em honra de César Augusto, que tinha morrido no ano 14 d.C.
A cidade estava situada perto das cascatas do rio Jordão e perto de um gigantesco muro de rocha de cerca de 60 metros de altura e 150 metros de largura, que é parte da parte sul do Monte Hermon. A cidade não existe atualmente, mas suas ruínas estão próximas a Banias, uma pequena cidade árabe, e na base do muro de rocha pode ser encontrada a sua esquerda um dos afluentes que alimentam o Jordão. Foi aqui onde Jesus se dirigiu a Simão e lhe disse: “Tu és Pedro” (Mt 16,18).
O significado deste fato ficou bem claro aos outros apóstolos. Como judeus devotos, eles sabiam que o lugar era verdadeiramente importante para o que estava sendo feito – mudar o nome de Simão. Ninguém acusou Simão por ter recebido somente ele esta honra, e no resto do Novo Testamento é chamado por seu novo nome, enquanto Tiago e João continuaram se chamando Tiago e João, e não Boanerges.
Promessas a Pedro
Quando Ele encontrou pela primeira vez Simão, “Jesus lhe fixou o olhar, e disse, ‘tu és Simão, o filho de João? Chamar-te-ás Kefas (que significa Pedro)’” (Jo 1,42). A palavra “Kefas” em grego é meramente a tradução literal da palavra “Kefas” em aramaico. Então, depois que Pedro e os outros discípulos estavam com Cristo, eles regressaram outra vez a Cesaréia de Filipo, onde Pedro fez sua profissão de fé: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus Vivo” (Mt 16,16). Jesus lhe disse que aquilo era uma verdade especialmente revelada a ele e então solenemente reiterou: “E eu te digo: tu és Pedro” (Mt 16,18). E a isto acrescentou a promessa de fundar a Igreja, de algum modo, fundada sobre Pedro (Mt 16,18).
Então duas coisas muito importantes foram dadas aos apóstolos: “Tudo o que ates na terra, será atado no céu, e tudo o que desates na terra, será desatado nos céus” (Mt 16,19). Aqui, Pedro foi distinguindo com a autoridade de perdoar os pecados e elaborar as regras disciplinares. Logo os apóstolos receberam similar poder, mas, neste caso, particularmente aqui recebe Pedro de modo singular. Também foi somente a Pedro que foi prometido: “Dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus” (Mt 16,19).
Naqueles tempos, a chave era sinal de autoridade. Uma cidade cercada de muralhas tinha uma grande porta, e essa porta tinha uma grande fechadura que funcionava com uma grande chave. Dar a chave da cidade (uma honra que ainda existe hoje em dia, ainda que não haja portas) é também dar livre acesso e autoridade sobre a cidade. A cidade da qual Pedro estava recebendo a chave era nada mais e nada menos que a própria Cidade Celestial. Este mesmo simbolismo para a autoridade é usado em outra parte da Bíblia (Is 22,22; Ap 1,18).
Finalmente, após a Ressurreição, Jesus apareceu para os seus discípulos e perguntou três vezes a Pedro: “Tu me amas?” (Jo 21,15-17). Em arrependimento por suas três negações, Pedro fez uma tríplice afirmação de amor. Então, Cristo, o Bom Pastor (Jo 10,11.14), deu a Pedro a autoridade que havia prometido: “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21,17).
Isto especificamente incluía os outros apóstolos, já que Jesus perguntou a Pedro, “Tu me amas mais do que estes?” (Jo 21,15) – a palavra “estes” se refere aos outros apóstolos que estavam presentes (Jo 21,2) -. Isto aconteceu para que se cumprisse a profecia feita antes de Jesus e seus discípulos estarem pela última vez no Monte das Oliveiras. Antes de sua negação Jesus disse a Pedro: “Simão, Simão, eis que Satanás pediu insistentemente para vos peneirar como trigo; eu, porém, orei por ti, a fim de que tua fé não desfaleça. Quando, porém, te converteres, [depois de sua negação] confirma teus irmãos.” (Lc 22,31s). Foi por Pedro que Cristo rezou para que não lhe faltasse a fé e para que fosse o guia dos outros, e sua oração, sendo perfeitamente eficaz, seria cumprida certamente.
Quem é a rocha? Voltemos nossa atenção para o verso-chave: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja” (Mt 16,18). A discussão sobre este verso sempre se voltou para o significado da palavra “pedra” ou “rocha”. A quem Jesus se refere? Visto que o novo nome de Simão, Pedro, por si só significa “rocha”, a frase pode ser reescrita como “Tu és Rocha e sobre esta rocha edificarei minha Igreja”. O jogo de palavras é óbvio, mas muitos comentaristas, desejando evitar o que segue (a instituição do papado), têm insinuado que a palavra rocha não pode referir-se a Pedro, mas sim à sua profissão de fé ou ao próprio Cristo. Do ponto de vista gramatical, a frase “esta rocha” deve referir-se ao substantivo mais próximo. A profissão de fé de Pedro (“Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”), é feita a dois versículos do termo em análise, enquanto que seu nome, um nome próprio, está precedendo imediatamente a cláusula. Consideremos como analogia esta paráfrase: “Eu tenho um carro e um caminhão, e este é azul.” Qual é o azul? O caminhão, porque é o substantivo mais próximo ao pronome “este”. Tudo isto seria mais claro se a referência ao carro fosse a duas frases da que contém o adjetivo “azul”, como a referência à profissão de fé de Pedro está a duas frases do termo “rocha”.
Outra alternativa
O mesmo tipo de argumentação considera que a palavra rocha pode fazer referência ao próprio Cristo, já que ele está mencionado na profissão de fé. O fato de que em outra parte da Escritura, em uma metáfora diferente, Cristo seja chamado “pedra angular” (Ef 2,20; 1Pe 2,4-8) não desaprova que aqui a fundação seja Pedro. Naturalmente, Cristo é o principal e, já que ele está regressando aos céus, a invisível fundação da Igreja que ele estabelecerá, Pedro é nomeado por ele como o secundário, porque ele e seus sucessores permanecerão sobre a terra, a visível fundação. Pedro pode ser a fundação somente porque Cristo é o Primeiro.
Consideremos outra analogia: Às vezes pedimos a nossos amigos que rezem por nós e oramos por eles. Nossas orações pedem a Deus especial ajuda para um e outro. Que estamos fazendo quando rezamos? Estamos agindo como mediadores, como intercessores. Estamos suplicando a Deus em favor de outro. Seria isto contra a declaração de Paulo que Cristo é o único mediador (1Tm 2,5)? Não, porque nossa mediação é inteiramente secundária e depende da mediação de Cristo. Ele é o único Deus-Homem, a única pessoa que é ponte entre Deus e o homem, mas nossa intercessão por outra pessoa não interfere na mediação de Cristo. Na realidade, nos quatro versos anteriores a 1Tm 2,5, Paulo manda os cristãos orarem uns pelos outros. Cristo poderia ter estabelecido sua mediação da forma que quisesse, mas decidiu que nós também participaríamos quando Ele próprio nos mandou rezar uns pelos outros (Mt 5,44; 1Tm 2,14; Rm 15,30; At 12,50). Assim, como pode haver intercessores secundários e um principal, também pode haver uma fundação secundária e uma principal.
Um olhar para o Aramaico
Os que se opõe à interpretação católica de Mt 16,18 algumas vezes argumentam que no texto grego o nome do apóstolo é “Petros”, enquanto “rocha” é traduzida como “pedra” (petra). Eles dizem que a primeira palavra (petros) significa uma pequena pedra e que a segunda (petra) é uma grande massa de rocha, então, se Pedro foi pensado para ser uma grande rocha, por que seu nome não é “Petra”? Mas, observe que Cristo não falou para os seus discípulos em grego.
Ele falou em aramaico, uma linguagem popular na Palestina de então. Nessa língua a palavra para “rocha” era “Kepha”, que é a utilizada por Jesus em sua linguagem comum (repare que em Jo 1,42 Ele disse: “chamar-te-ás Cefas”). O que Jesus disse em Mt 16,18 foi isto: “Tu és Kepha, e sobre esta kepha edificarei minha Igreja.”
Quando o evangelho segundo São Mateus foi traduzido do aramaico original para o grego surgiu um problema que o evangelista não enfrentou quando compôs este compêndio da vida de Cristo. Em aramaico, a palavra kepha tinha o mesmo sentido final para se referir a uma grande rocha ou a um nome pessoal masculino. Em grego, a palavra para traduzir rocha, petra, é do gênero feminino. O tradutor poderia usá-la na segunda vez em que aparece a palavra na oração, mas não na primeira porque seria inapropriado dar a um homem um nome feminino. Por isso o tradutor pôs um final masculino nele, e este foi Petros.
Além disso, a premissa do argumento contra Pedro como rocha é simplesmente equivocada, pois no século primeiro as palavras gregas “petros” e “petra” eram sinônimos. Possuíram o significado de “pequena pedra” e “rocha grande”, respectivamente, nos primórdios da poesia grega, mas no século primeiro essa distinção já havia se perdido, assim admitem alguns protestantes estudiosos da Bíblia (Ver os comentários de D. A. Carson em, “Expositor’s Bible Commentary” [Grand Rapids: Zondervan Books]).
Alguns dos efeitos do jogo de palavras de Cristo perderam-se na tradução do aramaico para o grego, mas foi o melhor que pôde ser feito em grego. Em inglês, como em aramaico, não existem problemas com as finais, porque na tradução para o inglês poderia ser lido: “Tu és Rocha, e sobre esta rocha edificarei minha Igreja”. [Pode-se dizer o mesmo em português. Assim como em aramaico, a frase não gera nenhuma confusão, tal como se lê na tradução hoje em dia: "Tu és Pedro (nome próprio masculino que significa pedra), e sobre esta pedra (substantivo comum que faz referência ao substantivo próprio anterior) edificarei minha Igreja." Nota do tradutor.]
Considerando outro ponto de vista; se a palavra rocha se refere diretamente a Cristo (como dizem alguns anticatólicos, baseando-se em 1Cor 10,4 “e essa rocha era Cristo” – ainda que a rocha fosse literalmente uma rocha física que viajava com os israelitas no deserto durante o êxodo; cf. Ex 17,6; Nm 20,8), por que Mateus deixou a passagem como estava? No aramaico original, e no inglês que é mais parecido com o aramaico do que o grego, a passagem é clara. Mateus acreditava que seus leitores entenderiam o óbvio sentido de “Pedro … pedra”.
Se Mateus referia-se a Cristo como a rocha, por que não o fez claramente? Por que deu a oportunidade e deixou Paulo escrever esclarecendo o texto (pressupondo, naturalmente, que 1 Coríntios foi escrito depois do evangelho segundo Mateus, e se foi primeiro, por que não escreveu para esclarecer o assunto?).?
A razão, certamente, é que Mateus sabia muito bem que a frase queria dizer o que realmente está dizendo. E foi Simão, fraco como era, o escolhido para ser a rocha, o primeiro elo na cadeira do papado.
Fonte: ACI Digital

As cartas de São Paulo

A tradição cristã reconheceu 14 cartas de são Paulo das 21 do Novo Testamento. As cartas na antiguidade Greco-romana eram de dois gêneros: as cartas familiares, comerciais, políticas etc. e as epístolas, espécie de tratados sobre um certo tema, dedicados a alguma personalidade, a um amigo ou familiar.  Os escritos paulinos são de ambos gêneros.
A ordem em que aparecem na Bíblia é artificial. São agrupadas primeiro as que se dirigem às comunidades, depois à pessoas particulares, primeiro as mais longas e depois as mais curtas. A Epístola aos Hebreus é uma exceção, pois sempre está colocada no final de todas. As cartas não aparecem pois em ordem cronológica na Biblia.
As cartas aos Tessalonicenses: são consideradas por todos os estudiosos como as primeiras cartas de São Paulo (e primeiras do Novo Testamento). Foram escritas em Corinto entre os anos 50 e 52.
Essas cartas tratam fundamentalmente da Parusia, ou segunda vinda de Cristo e da ressurreiçãodos mortos. O Apóstolo diz que desconhece o tempo dos acontecimentos porque não foram revelados por Cristo e poe  ênfase na vigilância e na importância do trabalho. Chega a dizer o Apóstolo: “quem não quiser trabalhar, que também não coma” (2 Tes 3,10).
As grandes Epístolas:
São assim chamadas as cartas aos Gálatas, 1ª e 2ª aos Coríntios e aos Romanos, escritas durante a terceira viagem missionária (53-58 d.C.).
Gálatas: o tema principal é o da liberdade dos cristãos, relativamente ao cumprimento das complexas prescrições do Judaísmo. Alguns pensavam que era necessária a observância da Lei de Moisés e de suas tradições orais para a salvação. Essa controvérsia (que já estava resolvida pelo concílio apostólico de Jerusalém) ofereceu ocasião de explicar o valor redentor da Paixão de Cristo, na qual nos inserimos pela fé e pelo Batismo, com absoluta independência da Antiga Lei, pedagoga da história da Salvação.
Coríntios: a cidade de Corinto era uma cidade com 2 portos, era uma das cidades mais importantes do Império Romano. Tinha muitas religiões, cheia de degradação moral e religiosa. Aí havia o culto a Afrodite e as mil sacerdotisas dedicadas ao culto a essa deusa, por meio da “prostituição sagrada”. No entanto essa comunidade estava repleta das graças de Deus, com uma grande diversidade de carismas especiais. A primeira epístola aborda o tema da unidade dos cristãos e dos cristãos, pois havia ali divisões (partidos) entre os neófitos. Censura com energia os abusos morais mantidos por alguns cristãos convertidos, e tolerados pela comunidade (caso do incestuoso). Por isso explica a natureza do matrimonio e da castidade(cap. 7). Responde à questão da liceidade de comer carne de animais sacrificados aos ídolos. Entre os temas importantíssimos que trata são Paulo nessa carta está o tema da Eucaristia(sua instituição pelo Senhor, a presença real de Cristo nas espécies eucarísticas, e a disciplina sobre o Ágape, que acompanhava as Eucaristias). Trata também o tema da ressurreição dos mortos (cap. 15), e da ordenação dos carismas do Espírito Santo.
Na Segunda Epístola: trata de defender sua autoridade de Apóstolo, negada por alguns. Diz que foi chamado diretamente por Cristo e foi incorporado ao grupo dos Doze. Aí aparece o coração de pastor de São Paulo, o amor pelos seus filhos na fé e a fortaleza do seu espírito, e o sentido de sua responsabilidade que lhe exige a sua vocação.
Romanos: é a mais longa de seu epistolário e é considerada a mais importante. Trata da obraredentora de Cristo (aprofundando a carta aos Gálatas). Começa com uma profunda saudação e segue dando uma visão da humanidade não redimida; contempla a degradação moral dos gentios e os pecados semelhantes dos judeus, para concluir na necessidade da Redençãorealizada por Cristo para alcançar o perdão de Deus e a graça. A salvação provem unicamente de Cristo e a ela aderimos pela fé, dom gratuito de Deus, não efeito das nossas obras. O Batismo nos enxerta em Cristo, podemos e devemos fazer o bem, praticar a virtude, pelo Espírito Santo, que habita em nós e completa a obra da justificação começada por Cristo, tornando-nos santos e filhos adotivos do Pai. A segunda parte da carta São Paulo aplica a doutrina ao comportamento moral do cristão: a “vida no Espírito” é o cristão que se deixa guiar pelo Espírito, que lhe dá uma vida nova, com todas suas conseqüências.
Epístolas do Cativeiro:
Paulo as escreveu no seu cativeiro em Roma, entre os anos 58 e 63.
Filêmon: enviada ao cristão Filêmon para que esse receba a Onésimo, escravo dele que se tinha fugido e refugiado em Roma, onde se tinha convertido, por meio de São Paulo. O Apóstolo ensina que eles agora são irmãos e assim devem ser tratados.
Filipenses: a comunidade de Filipos era constituída por antigos legionários retirados, com suas famílias. São Paulo os considerava seus queridos filhos, com uma fidelidade inquebrantável e generosa correspondência. O ponto doutrinal mais importante é o hino cristológico (Fil 2,6-11) que canta a humilhação de Cristo na sua encarnação, vida morte e sua gloriosa ressurreição.
Colossenses: essa comunidade enfrentava dificuldades doutrinais, pois alguns pregavam que Cristo era um ser intermédio entre Deus e a matéria. São Paulo então aprofunda temas capitais sobre Cristo. Ele é superior a todos os seres, a todos os anjos. Por isso afirma: “em Cristo habita toda a plenitude da divindade corporalmente” (Col 2,9). Jesus Cristo é pois Deus eterno, que ao tomar a natureza humana não deixa de ser Deus e, portanto, é o primeiro e superior a todos. Depois São Paulo dá diversos ensinamentos morais aos cônjuges, servos e senhores.
Efésios: é o ponto culminante no itinerário espiritual e doutrinal de São Paulo, no que diz respeito ao mistério de Cristo, da obra da Redenção e da teologia da Igreja. Trata quase os mesmos temas de Col. com maior profundidade e serenidade. Aí afirma que Cristo Jesus é acabeça de todos os seres, tanto celestes quanto terrestres. O seu senhorio é absoluto e Ele é o Salvador de todos. Ef 1,3-14 é um grande hino que louva o plano salvador de Deus por meio de Cristo em favor da humanidade. Contempla o mistério profundo da Igreja na sua unidade e totalidade inseparáveis, instrumento universal da salvação que Cristo criou como Seu Corpo, Sua plenitude, Sua esposa imaculada, para aplicar à humanidade a salvação que Ele realizou com sua morte e ressurreição. Todo fiel deve pois viver a unidade na caridade, pois forma parte de um só corpo com Cristo, animado pelo mesmo Espírito.
Epístolas Pastorais:
Esses escritos (1 e 2 Tim. e Tito) são para orientar e ajudar aos discípulos na sua tarefa de auxiliares de São Paulo no governo pastoral de várias Igrejas. Aqui São Paulo afirma que o conteúdo da lei moral natural presente na Lei de Moisés não caducou; também vai explicar que a Igreja tem uma ordem e uma disciplina (como tratado na carta aos Coríntios). A hierarquia eclesiástica esta em período de gestação, ainda não distinguiu um vocabulário preciso para designar os ofícios dos bispos e dos presbíteros, ainda que seja clara a ordem diferente debispos e presbíteros, dum lado, e os diáconos, do outro. Nas Cartas de Santo Inácio de Antioquia (morto em 107) a instituição dos diversos graus da ordem está perfeitamente determinada. Nessas cartas Paulo se preocupa em consolidar as Igrejas já fundadas.
Epístola aos Hebreus:
Muito provavelmente foi escrita por um discípulo de São Paulo, mas transmitem as idéias do Apóstolo. Foi escrita a um grupo de cristãos provenientes do judaísmo, na qual predominava um número de sacerdotes e levitas do Templo de Jerusalém. São Paulo se dirige a eles para os reconfortar na fé, argumentando para eles que os antigos sacrifícios do Templo, e o próprio Templo não eram senão uma figura, uma sombra antecipada da realidade do único sacrifício que é o de Cristo, verdadeiro Templo e Sumo Sacerdote. Aqui São Paulo desenvolve a doutrina sobre o sacerdócio e o sacrifício de Cristo.
Ano  Cronologia tradicional (Vida)
8 d.C.  Nascimiento
33  Conversão
36  Jerusalén (1ª visita)
46  Jerusalén (fome): Hch 11
47-48  Primeiro viajem missionário
49  Conferência apostólica
50  Chegada de Paulo a Corinto
51/52  Paulo deixa Corinto
53  Paulo chega a Éfeso
56  Paulo deixa Éfeso
56  Paulo chega a Corinto
57  Paulo em Filipos
57  Paulo chega a Jerusalén
59  Paulo ante Festo
60  Paulo llega a Roma
Ano  Cronologia tradicional (Cartas)
50/51 1  Tesalonicenses: Corinto
51/52 2  Tesalonicenses: Corinto
56 1  Corintios: Éfeso
57 2  Corintios: Macedonia
57/58  Gálatas: Macedonia/Corinto
58  Romanos: Corinto
Filipenses
Filemón
61-63  Colosenses: Roma
61-63  Efesios: Roma
61-63 2  Timoteo: Roma

Liturgia e Apocalipse

O livro do Apocalipse é um dos mais lidos e comentados do Novo Testamento, isto porque que este livro causa um certo impacto e uma certa expectativa no leitor. Estas expectativas acontecem devido: o seu estilo, as imagens presentes no texto,  aspectos catastróficos etc. Por isso,  tem-se num conceito popular uma visão meio que deturpada deste livro onde a concepção que se sobressai é de um livro que conta as possíveis catástrofes vindouras na história e também do fim dos tempos. Com isso, sua leitura gera uma insegurança e um medo no leitor. Mas afinal, o que significa apocalipse? Qual a relação entre o Apocalipse e a liturgia?
Apocalipse (em grego, apokálypsis=revelação) é um gênero literário que se tornou usual entreos judeus após o exílio da Babilônia (587-583 a.c) trata-se sobre o fim dos tempos: descreve o juízo de Deus sobre os povos, de modo a punir os maus e premiar os bons. Essa intervenção de Deus é acompanhada de sinais que abalam a natureza (todo o apocalipse descreve sempre cenários cósmicos); é freqüente o recurso a símbolos e números simbólicos nesse gênero literário. Sobre este pano de fundo o autor do Apocalipse quis proceder de modo que: descreveu cenas de horríveis calamidades (simbolizando os males que os cristãos sofrem no cotidiano da sua existência terrestre), entrecortadas por visões da corte celeste, onde os anjos e os santos cantam “Aleluia! A vitória compete ao Cordeiro que foi imolado e está de pé”. Assim, estes acontecimentos descritos no Apocalipse só podem ser entendidos a luz do “Evento Cristo”.
Jesus Cristo é a chave de leitura para a compreensão do Apocalipse, ou seja, este trata da celebração dos mistérios de Cristo. E sendo celebração podemos afirmar tendo base em algumas perícopes que esta é uma grande liturgia. Esta liturgia da celebração dos mistérios de Cristo fora dada a Igreja que tem a autoridade de salvaguardá-la e de utiliza-la como caminho de salvação e de contemplação do “Eterno no tempo”, conduzindo assim por meio destes os seus fiéis até que se chegue o “Dia do Senhor”. A liturgia é ação do “Cristo total”, os que agora a celebram, além dos sinais, participam já da liturgia do céu, onde a celebração é inteiramente Comunhão e Festa.
No livro do Apocalipse nos deparamos com alguns símbolos de nossa liturgia: incenso, altar, oficiantes por vezes designados como sacerdotes, participantes que se prosternam, adoram, cantam a glória de Deus e de sua obra em Jesus Cristo por meio de hinos de caráter muito tradicional. O Aspecto litúrgico de numerosa passagens do Apocalipse salta aos olhos do leitor menos mentalizado. Por vezes tem-se o sentimento de assistir a um diálogo litúrgico entre um oficiante e uma comunidade que lhe responde. Várias destas proclamações, especialmente o Santus, figuram hoje entre as partes essenciais das grandes liturgias cristãs, ou seja, a “Santa Missa”.
O capítulo quatro nos apresenta a “Liturgia Celeste”, nela podemos perceber a presença de “um trono que está colocado no céu e nele sentado alguém cujo aspecto era de jaspe e cornalina” (Ap4,2,3). Ao redor deste trono “havia vinte e quatro anciãos, com veste brancas e coroas de ouro na cabeça” (Ap4,4). Deste trono “saíam relâmpagos e ouviam-se trovões. Sete tochas de “fogo ardiam diante do trono, os sete espíritos de Deus”. No centro rodeando o trono estavam quatro seres com aspecto de: leão, touro, homem e águia. Estes seres de dia e de noite davam graças àquele que estava sentado no trono e diziam: “Santo, santo, santo, Senhor Deus Todo-poderoso, aquele que era e é e será” (Ap4,8).
O quinto capítulo traz presente um problema que é encontrar o significado do misterioso livro que ocupa neste capítulo tão grande lugar. Aparece também a figura de um Cordeiro Imolado que tem a missão de abrir o rolo e soltar seus selos. Diante disso todas as criaturas cá no céu ou na terra diziam: Àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro, o louvor, a honra, a glória e o poder pelos séculos dos séculos. Outro capítulo importante para esta realidade é o sétimo que traz presente a realidade daqueles que se salvam: “ouvi o número dos marcados com o selo” (Ap 7,4). Depois foi avistada uma multidão enorme que ninguém podia contar e estes gritavam: “A vitória ao nosso Cordeiro” (Ap 7,10). Estes estavam de vestes brancas e saíram da tribulação e alvejaram suas vestes no sangue do Cordeiro. O capítulo oitavo fala dos sete anjos que estavam diante de Deus e que a eles foram entregues sete trombetas. Veio assim um outro anjo que se colocou diante do altar com um turíbulo fumegante e da sua mão subia a fumaça de incenso com as “orações de todos os santos até à presença de Deus” (Ap 8,4). O anjo tomou o turíbulo e arremessou à terra.
Os capítulos 21-22 do livro do Apocalipse nos trazem uma visão de uma Igreja que fora descida do céu a “nova Jerusalém”, a cidade santa que “descendo do céu, de junto de Deus, preparada como noiva que se apronta para o noivo” (Ap21,2).
O Apocalipse de São João, lido na liturgia da Igreja, revela-nos primeiro que “um trono estava erguido no céu e Um sentado no trono” (Ap4,2): Este podemos dizer que é o Senhor Deus. Depois logo revela o Cordeiro, “imolado e de pé” (Ap 5,6), Este é o Cristo crucificado e ressuscitado, o único Sumo Sacerdote do santuário verdadeiro, o mesmo “que oferece e que é oferecido, que dá e que é dado”, isto podemos ouvir nas palavras da Consagração “que será dado por vós e por muitos para a remissão dos pecados”. E por último, revela “o rio da Vida que brota do trono de Deus e do Cordeiro” (Ap 22,1), um dos mais belos símbolos do Espírito Santo.
Recapitulados em Cristo, participam do serviço do louvor de Deus e na realização de seu intuito: as Potências Celestiais, toda a criação (os quatro viventes), os servidores da Antiga e da Nova Aliança (os vinte e quatro anciãos), o novo Povo de Deus (os cento e quarenta e quatro mil), em particular os mártires “degolados por causa da Palavra de Deus” (Ap 6,9-11), e a Santíssima Mãe de Deus ( Ap 12) e finalmente “uma multidão imensa, que ninguém poderia contar, de toda nação, raças, povos e línguas” (Ap 7,9). Ora, onde na terra encontramos uma Igreja universal que adora de uma forma fiel à visão de João? Onde encontramos sacerdotes paramentados de pé à visão diante de um altar? Onde encontramos homens consagrados ao Celibato? Onde ouvimos anjos serem invocados? Onde a arte exalta a mulher coroada de estrelas, com a lua debaixo dos pés, que esmaga a cabeça da serpente? Onde os fiéis suplicam a proteção do arcanjo São Miguel?
Onde mais, a não ser na Igreja Católica e, mais especificamente na Missa? O nosso Saudoso Papa João Paulo II em sua venerável memória, dizia: ‘’ que a Missa é o céu na terra” e ele explicou que “a liturgia que celebramos na terra é misteriosa participação a liturgia celeste”. Assim, a nossa liturgia participa da liturgia celeste! Na missa, já estamos no céu. Dessa maneira, precisamos aprender a ver o Apocalipse como a Igreja o vê, ou seja, se queremos entender o sentido do Apocalipse, temos que aprender a lê-lo com uma imaginação sacramental. Podemos então perceber que os símbolos trazidos pelo Apocalipse estão em nossa liturgia:
Missa dominical – 1,10
Sumo sacerdote- 1,13
Altar- 8,3-4; 11,1;14,18
Sacerdotes 4,4; 11,15; 14,3; 19,4
Paramentos 1,13; 4,4;6,11; 7,9;15,6;19,13-14
Celibato consagrado 14,4
Candelabros 1,12;2,5
Penitência caps.2 e 3
Incenso 5,8; 8,3-5
O livro 5,1
A hóstia eucarística 2,17
Taças (cálices) 15,7; 16;21,9
O sinal-da-cruz 7,3; 14,1; 22,4
O glória 15,3-4
O Aleluia 19,1.3.4.6
Corações ao alto 11,12
O “Santo, Santo, Santo” 4,8
O Amém 19,4 ; 22,20
O “Cordeiro de Deus” 5,6
Virgem Maria 12,1-6.13-17
Intercessão dos anjos e santos 5,8; 6,9-10; 8,3-4
Devoção a são Miguel 12,7
Antífona 4,8-11;5,9-14; 7,1-12; 18,1-8
Leituras das Escrituras 2-3;5;8,2-11
O Sacerdócio dos fiéis 1,6; 20,6
Catolicidade ou universalidade 7,9
Contemplação silenciosa 8,1
O banquete das núpcias do Cordeiro 19,9.17
(HANN, 2002,p.107-108).
Portanto, o Apocalipse trata de uma reflexão sobre o culto, e este culto é a antecipação do Fim, do Julgamento, do Reino que acontece na Santa Missa. Contudo, tanto o Apocalipse quanto a liturgia nos falam sobre o Fim, pois, o fim tem o seu nome: Jesus Cristo. E é a este que a Igreja clama incessantemente numa única voz; “Maranatá”, ou seja, “ Vem, Senhor Jesus!”. Nesta grande prece a Igreja clama o nome de Jesus e se prepara para a parusia.
Pe.Neto Jair Cardoso  Alves